sexta-feira, 23 de abril de 2010

Suspeitos -- os culpados do Brasil

por Daniel Gutierrez

“Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”*, mas que põe nas ruas indivíduos confessos ou flagrados em ato criminoso, simplesmente porque um juiz não bateu o martelo após uma sentença que o defina culpado, passível de prisão. Sim, eles até são presos, mas só enquanto os tribunais os julgam influenciáveis na sentença se estiverem livres.

É evidente que estou usando de exemplo o caso de José Roberto Arruda (sem partido), ex-governador do Distrito Federal. Uma reportagem veiculada pela Rede Globo mostrou -- em vídeo -- o então governador repassando dinheiro de propina para outros políticos, com memória à lamentável passagem do “dinheiro na meia”, cuja explicação seria a compra de panettones. [Claro, eram tempos natalinos... Nada mais natural que esconder dinheiro nas próprias meias para comprar guloseimas às criancinhas carentes. Ou não?] Mais tarde, um jornalista foi vítima de uma tentativa de suborno. A intenção de quem subornava era que o nosso companheiro evitasse a publicação de fatos relacionados ao ocorrido.

Ocorre que tudo isso foi ao ar. Entre outros, o principal culpado era Arruda. Que foi preso há dois meses... e solto no último dia 12. Peço desculpas a todos que agora lêem esse texto, pois me permiti um devaneio, uma falha de entendimento que me fez pensar que o carecão estivesse preso por ser -- evidentemente -- culpado das falcatruas monetárias cometidas durante sua gestão. Afinal, as provas eram visuais: vídeos que mostravam limpidamente o político participando da roubalheira. Mas, enfim: ele estava enclausurado (numa cela com cama, TV, ar condicionado, possibilidade de visitas diárias de sua esposa, entre outras bagatelas, diga-se de passagem) porque o Superior Tribunal de Justiça do Distrito Federal (STJ-DF) achou que, em liberdade, ele seria influenciável no resultado da sentença. No dia 12, o STJ “decidiu” que o ex-governador já não pesaria mais na decisão se estivesse em liberdade, e tiraram o Arruda da papuda.

É isso, meus correligionários. Quando vi, na capa da edição da Folha de São Paulo do dia 13, aquela face barbuda, emagrecida, abatida, como fizesse 25 anos que estivesse numa solitária em Alcatraz, nada me veio à mente, senão a dúvida: por que raios soltaram esse safado, se ele é culpado? Eu só tinha esquecido um detalhe: o juiz não bateu o martelo. Do que mais precisa?

Pra não bradarem os tucanistas que estou petista demais em minhas colocações, gostaria de deixar bem claro que também não consigo entender o porque de Antônio Palocci e José Genoíno estarem aptos à candidatura esse ano. (Rezemos pela aprovação do projeto Ficha Limpa...)

Mas não precisamos politizar tanto a coisa. Vamos usar um exemplo de Ribeirão Preto mesmo, bem mais próximo e fora do círculo político. Comparem o título e o lead deste texto que saiu na edição do mesmo dia 12 do Jornal A Cidade:

“Adolescente de 15 anos é suspeita de matar a avó de 81

Uma adolescente de 15 anos é suspeita de ter matado a avó de 81 anos no bairro Presidente Dutra, zona Oeste de Ribeirão Preto. ‘Ela foi auxiliada pela amiga da mesma idade. A neta sufocou a avó com o travesseiro enquanto a amiga segurava os braços dela,’ afirmou o delegado Sérgio Siqueira, titular do 5º Distrito Policial, após ouvir os depoimentos das duas garotas. Segundo ele, as meninas contaram que no dia 25 de março Ana Maria Pereira flagrou a neta no portão de casa aos beijos e abraços com um namorado. Ela não gostou do que viu e chamou a atenção da menina.

(...)

De acordo com Siqueira, Ana Maria desmaiou e a neta voltou a sufocá-la. ‘Ela disse que voltou a colocar o travesseiro no rosto da avó até ela morrer. Falou com frieza sobre tudo o que aconteceu,’ disse o delegado.”

Um texto publicado neste mesmo jornal, dois dias depois, conta o seguinte:

“Promotor ouve e libera acusada de matar avó

O promotor da Infância e da Juventude Carlos Goulart ouviu nesta terça-feira (13) a adolescente de 15 anos suspeita de ter matado a avó Ana Maria Pereira, de 81 anos, em 26 de março, no bairro Presidente Dutra, em Ribeirão Preto.

A amiga dela, de 15 anos, também depôs e afirmou que teria segurado os braços da idosa enquanto a neta a asfixiava com o travesseiro. As garotas foram ouvidas e liberadas. O caso vai para as mãos do juiz Paulo Cesar Gentile, que decidirá se as duas seguem em liberdade ou irão à Fundação Casa. A neta teria matado a avó após a idosa ficar brava ao vê-la namorando no portão.”

É mole? A menina e a amiga confessaram terem matado a avó e o juiz “não sabe” se vai mandá-las ou não para a detenção? Preciso deixar algo bem claro: minha indignação não é com quem está sendo julgado ou a razão pela qual ocorre o julgamento. Não consigo entender o por quê de sermos obrigados a continuar chamando de “suspeitos” criminosos confessos ou que tiveram participação incontestavelmente comprovada no crime (como os vídeos que mostram o Arruda distribuindo dinheiro ilegal).

Enfim, quero terminar deixando aqui o meu protesto, lembrando que nós, jornalistas, somos obrigados por um código de ética IMORAL a publicar que estes CULPADOS são suspeitos, até que o doutor juiz bata o maldito martelinho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário